sábado, 23 de outubro de 2010

NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!)
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
Que mal fiz eu aos deuses todos?
Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.
Com todo o direito a sê-lo, ouviram?
Não me macem, por amor de Deus!
Queriam-me casado, fútil, quotidiano e tributável?
Queriam-me o contrário disto, o contrário de qualquer coisa?
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!

Para que havemos de ir juntos?

Não me peguem no braço!
Não gosto que me peguem no braço. Quero ser sozinho.
Já disse que sou sozinho!
Ah, que maçada quererem que eu seja da companhia!
Ó céu azul — o mesmo da minha infância —
Eterna verdade vazia e perfeita!
Ó macio Tejo ancestral e mudo,
Pequena verdade onde o céu se reflete!
Ó mágoa revisitada, Lisboa de outrora de hoje!
Nada me dais, nada me tirais, nada sois que eu me sinta.
Deixem-me em paz! Não tardo, que eu nunca tardo...
E enquanto tarda o Abismo e o Silêncio quero estar sozinho!



Poema: ÁlvarodeCampo .
Foto: Pamela Bernardes .

segunda-feira, 18 de outubro de 2010


Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas bico calado, faz de conta que sou mudo !
Um país que crianças elimina,
Que não ouve o clamor dos esquecidos.
Onde nunca os humildes são ouvidos
E uma elite sem deus é quem domina.
Que permite um estupro em cada esquina.
E a certeza da dúvida infeliz
Onde quem tem razão baixa a cerviz
E massacram - se o negro e a mulher
Pode ser o país de quem quiser
Mas não é, com certeza, o meu país
Um país onde as leis são descartáveis
Por ausência de códigos corretos
Com quarenta milhões de analfabetos
E maior multidão de miseráveis
Um país onde os homens confiáveis
Não têm voz, não têm vez, nem diretriz
Mas corruptos têm voz e vez e bis
E o respaldo de estímulo incomum
Pode ser o país de qualquer um
Mas não é com certeza o meu país
Um país que perdeu a identidade
Sepultou o idioma português
Aprendeu a falar pornofonês
Aderindo à global vulgaridade
Um país que não tem capacidade
De saber o que pensa e o que diz
Que não pode esconder a cicatriz
De um povo de bem que vive mal
Pode ser o país do carnaval
Mas não é com certeza o meu país
Um país que seus índios discrimina
E as ciências e as artes não respeita
Um país que ainda morre de maleita
Por atraso geral da medicina
Um país onde escola não ensina
E hospital não dispõe de raio - x
Onde a gente dos morros é feliz
Se tem água de chuva e luz do sol
Pode ser o país do futebol
Mas não é com certeza o meu país
Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo
Um país que é doente e não se cura
Quer ficar sempre no terceiro mundo
Que do poço fatal chegou ao fundo
Sem saber emergir da noite escura
Um país que engoliu a compostura
Atendendo a políticos sutis
Que dividem o brasil em mil brasis
Pra melhor assaltar de ponta a ponta
Pode ser o país do faz-de-conta
Mas não é com certeza o meu país
Tô vendo tudo, tô vendo tudo
Mas, bico calado, faz de conta que sou mudo


musica: Zé Ramalho
Composição: Livardo Alves / Orlando Tejo / Gilvan Chaves

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Vazio - Parte III



(...) Toda essa ausência sempre esteve dentro de mim, durante a vida inteira, mas o que me fazia querer ela em minha vida era essa paz, que só ela me passava, a total segurança, um prato cheio pras minhas incertezas. Até o fim. Não o fim do amor, ou da dor, das patéticas palavras, dos inúteis atos sejam eles quais fossem e sim o fim da carne, do devaneio de existir.
A morte, eu nunca a vi tão de perto, nos meus braços, entre meus olhos, rasgando minhas veias e testando meu limite entre o real e o imaginário. O êxtase de se perder um alguém para um vácuo profundo e sombrio que você não pode ver, somente sentir, é um golpe desonesto da vida e acredite ela nunca lhe dará pelas costas.
Adentrei a sala, lá estavam alguns conhecidos, amigos, e parentes, alguns pálidos desviavam o olhar para as paredes ignorando a hipótese de olhar o corpo ali, em alguns podia-se perceber a face molhada por recentes lágrimas, ambos evitando encarar a ausência de alma no corpo que ali estava.
Desde o ocorrido, eu apenas observei os fatos e refleti sobre as coisas, sempre me perguntando quando iria acordar para poder rir de tudo, mas cada segundo ali olhando me fazia pensar no real. De fato, aconteceu e estava lá.

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Dedicado: Paula Regina (f)
Texto: Jéssica Caroline
Foto: Pamela Bernardes